Nasci por volta das nove horas da manhã de quinta-feira, no ano de mil novecentos e oitenta e nove, num hospital na cidade de Uberlândia.
Gravidez de risco, disse o médico.
Eu deveria ter nascido com três pernas, um olho só, ou alguma coisa horrível do tipo. Eu sobrevivi, e minha mãe também. Tenho duas pernas e dois olhos que vêem as coisas meio trocadas, mas sobrevivi bem.
Tenho poucas lembranças da minha época de muito, muito novo. Quanto mais o tempo passa, mais as memórias vão se esvanecendo.
Lembro de brincar no quintal, onde minha mãe tinha uma horta. Eu gostava dos tatus-bolas. Mas acho que eles não gostavam muito de mim.
Lembro de morar em um prédio de dois andares que ficava enfrente a uma rua estreita quanto tinha uns oito anos, e de brincar na rua em frente de casa. Lembro também de muitos machucados. Eu sempre estava com um corte, um roxo ou alguma parte do meu corpo doendo. Mas eu nunca fui uma criança travessa.
Às vezes acho que meus pais pensavam que eu era meio autista, mas isso é só uma suspeita.
Meu quarto era maior. Tinha a impressão de ter um quarto do tamanho de uma quadra de tênis. Quando você é pequeno, tem a impressão de que tudo é enorme, mas nunca percebe que no caso, você é pequeno.
A gente cresce e o resto diminui logo o quarto não tem o tamanho suficiente. Mas nunca temos mais valor do que uma bola de tênis na quadra. A gente fica meio como a rede.
Parado ali, olhando a bolinha ir de um lado para o outro, ‘’ às vezes acertando nosso saco ‘’.
Os meus maiores medos eram:
Morrer de fome como os documentários sobre a África, Freddy Kruegger, ser engolido pelo vaso sanitário após dar a descarga (o que se transformou num pavor terrível sobre dar a descarga durante um tempo) e terremotos. Eu morria de medo dos terremotos. Posteriormente também adquiri um medo muito grande do filme Chucky, O boneco assassino.
Acho que fiz parte da parte ovelha-negra da família toda. E da minha própria família também.
Eu não dava a mínima para a Copa do Mundo, eu não ligava pros Mamonas Assassinas, eu não gostava de futebol, não sabia empinar pipa.
Eu gostava dos meus bonecos, tinha muitos. Passava o dia inteiro em algum canto da casa inventando alguma história com eles. Algumas duravam mais de três dias, eu acordava empolgado para continuar brincando porque tinha criado uma história interessante.
Gostava de videogame, também. Ficava tão imerso, que mesmo após parar de jogar, ainda imaginava que tudo era um jogo de videogame. Às vezes até me convencia disso.
Eu gostava de guerras, armas, coisas explodindo e pessoas morrendo. Quando eu era pequeno, eu torcia para que houvesse uma terceira guerra mundial.
Minha mãe dizia que "a terceira guerra mundial virá, e a bomba atômica faria o juízo final". Você cresce esperando o juízo final que está sempre próximo, e ele nunca chega.
Sempre fui um pouco menor do que os outros meninos. Preferia os que não tinham vida social como eu. Eles sabiam inventar histórias muito mais interessantes e não tentavam me bater. Cresci um pouco e virei o jogo.
Com 12 anos eu sabia de cor o nome dos modelos de carros mais vendidos no mundo.
Gostava de dragon ball, e dos Cavaleiros dos Zodíacos. Achava interessantes como os garotos metralhavam os colegas de classe nos Estados Unidos.
Gostava de dinossauros, minha mãe me deu quatro bonecos uma vez.
Gostava de balas de goma, de capuchino. Gostava de boxe, e formula 1. Torradas e karatê.
Passei mais da metade da minha vida dentro do meu quarto lendo.
Queria engolir o mundo com tudo que tinha dentro.
Você cresce e repara que já estava sendo engolido pelo mundo faz tempo.
1 comentários:
Olá!!!
Nossa, que linda explanação sobre sua infância! Adorei e me identifiquei em alguns pontos... Guerra era uma coisa "fixa" em minha mente, eu também esperava, meu pai sempre dizia que ia acontecer... aiai, coisa de criança mesmo, como se guerra fosse um barato!
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Quanto a filmes de terror, eu sempre assisti sem medo algum, fui criada vendo filmes terríveis. Hoje continuam sendo uma paixão.
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Criança vê tudo bem grande mesmo... se bem que no meu caso eu continuo vendo. Sempre converso com as pessoas olhando para cima pois todos são mais altos, vivo pulando para alcançar a sirene do ônibus, a temperatura do chuveiro e assim por diante. Nunca passei do 1,44m de altura.
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Um abraço.
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Ingrid Naftalina
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