Voltando pra casa as sete horas da noite, no meio de um engarrafamento,
um ônibus emparelha ao meu lado.
Eu conto as pessoas nas janelas, são nove pessoas, três
cochilam, uma analisa o leva-e-traz da calçada. As outras cinco fuçam em seus
telefones. Curtem, compartilham, atualizam, comunicam. Estamos na era
revolucionária. Geração fone de ouvido – o poder da invisibilidade e do autismo
opcional.
Vou para o shopping, preciso de uma calça nova e de um
presente.
As luzes de Natal me encantam. Preciso ser rápido, e o
caminhar não flui.
Preciso ficar desviando das garotas com suas caras enfiadas
nos seus espertofones, lendo recados, comunicando, com medo de estar perdendo
alguma coisa.
Que filme você nunca viu? Que festa a gente nunca foi? Quem
comeu quem? Quem caiu na rede? O que nós tanto temos a perder?
Vão dizer. Não é só um site, é um encurtador de distâncias.
Mas eu não posso sentir o cheiro de talco da minha vó que mora longe, nem o som
dela arrastando as sandálias antes de ir dormir.
Um avatar e um retrato na lápide dá na mesma.
Meus poucos e caros amigos, onde estão? Não faço questão de
vê-los, qual a motivação? Sinto que já sei tudo o que eu preciso saber sobre
eles. Me esforço, proponho um drinque e um papo mais tarde.
Mais tarde, quando? No mês? Ainda em 2012? HOJE?
Não dá.
E se eu mandar instalar um botão bem no meio da minha cara?
Eu fico mais interessante? O que era pra ser uma rede social virou nada mais
que um comparador de vidas.
Olha eu, em frente à Torre Eiffel. Olha o meu novo corte de
cabelo. Eu curto essa marca de cerveja. Eu não presto. Eu sou legal. Chove e eu
me sinto tão só. Queria que você fosse tão feliz quanto eu sou. Troquei de
emprego. Troquei de torradeira. Troquei de sexo.
O mundo entre aspas. O universo conspira ao meu pavor.
Sorria, você está se auto -filmando.
Todo dia tem a hora da sessão de fotografias. Ensaio caras e
bocas e decotes.
Ah, mas uma foto faz de um momento inesquecível.
Puxa, que porcaria de memória é essa sua. Postar é viver.
Agora, a participação do internauta. Nunca foi tão fácil
falar.
Era a desmassificação da cultura, agora é só uma extensão do
que passa na televisão. Comentarista de novela, esse mala sou eu.
Me escuta. Você precisa desse aparelho novo, o seu método de
se importar com seus camaradinhas está ultrapassado, amigo.
Pois é. Ninguém mais atravessa a cidade para encontrar
alguém. Assine o nosso plano e pague para falar. Com apenas 59,90 mensais você
pode ter um milhão de amigos e frequentar salas de bate-papo onde não cobramos
10 por cento, não tem goteira e ninguém corre risco de contrair herpes.
Amigo é coisa pra se guardar na barra lateral, dentro da tela
do computador.
Agora é sério. Você precisa desse telefone, vai por mim. Ele
é três gigas mais smart do que você.
Olha como são jovens, felizes e saltitantes as pessoas no meu
comercial. Com mais um centavo você leva esse exclusivo aplicativo que simula
um beijo de língua com qualquer pessoa que esteja na Romênia.
Você precisa de uma internet ilimitada, senão como vai protestar
a favor de índios e contra a carne vermelha?
Vamos lá, todos nós, rumo ao senado federal derrubar a
corrupção, caminhando e cantando e seguindo no twitter. Vamos tomar as ruas
pelo Google Map, cada um na sua. Nunca fomos tão livres no meio de tantas
grades.
Ué, você não queria mudar o mundo?
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