Não adianta.
Eu nunca vou conseguir tomar sorvete sem me lambuzar feito
uma criança de cinco anos.
Eu nunca vou aprender a beber café, colocar água na forminha
de gelo sem derramar, nem conseguir soltar uma gargalhada um pouco mais baixa.
Eu nunca vou parar com a mania de
roer as unhas ou deixar um pouco
de suco de uva no copo.
Eu nunca vou deixar de sentir tremores em todos os andares do
meu corpo ao perceber que estou sendo encarado por qualquer pessoa que seja.
Não adianta, não há solução, não vim com devolução de
fábrica.
Eu sou assim e ponto.
Nunca vou me acostumar em acordar cedo, como também nunca vou
me acostumar com o fato de ter mais gente passando fome do que mais gente dando
valor ao pouco que possui.
Nunca vou entender porque algumas pessoas andam com o nariz
empinado como se elas fossem as melhores do mundo, mesmo sabendo que não são.
Nunca vou conseguir deixar de bater o dedinho do pé na quina,
como também nunca vou conseguir entender o que o locutor de futebol na rádio
está narrando.
Eu nunca vou deixar de odiar o cheiro de cigarro.
Nunca vou aprender a chupar laranja sem fazer algum barulho,
como também nunca vou aprender a fazer as malas para uma viajem sem esquecer
alguma coisa.
Eu nunca vou saber, de fato, receber um elogio.
Quando eu não rio de nervoso, rio de ironia.
E, ah, eu nunca vou conseguir deixar de ironizar tudo. Nem de
falar sério, rindo.
Nunca.
Eu nunca vou me acostumar com a ideia de que, sim, existe
quem seja capaz de maltratar um animal, uma criança ou um idoso.
Eu nunca vou entender porque a população ainda aplaude de pé
ou abre a boca pra falar bem de algum político.
Eu nunca vou compreender essa sociedade hipócrita em que
vivo.
Nunca vou conseguir olhar pra minha
mãe e não ver a maior heroína de todos os tempos,
como também nunca vou conseguir entender como alguém não consegue se afeiçoar a
própria mãe.
Nunca vou entender qual a tamanha graça em fingir
sentimentos, usar pessoas e maltratar corações desamparados.
Eu nunca vou ser a favor da aproximação por interesse, como
também nunca vou ser contra a sinceridade de cara limpa.
Eu nunca vou ser capaz de enxergar um motivo realmente bom
para que a espécie humana ainda exista.
Nunca, nunquinha.
Eu nunca vou entender porque eu continuo escrevendo como se
soubesse quem sou, mesmo sem saber.
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