Eu queria ser poeta. Mais sou apenas um contador de historias.
Parado em frente à porta, ele sentiu de novo aquela coisa
gelada virando, revirando dentro do estômago.
Esticou a mão direita e em seguida puxou o braço de volta,
recuou um passo, como se a maçaneta fosse um bicho pronto para o bote. Já tinha
hesitado mil vezes antes de chegar até ali, pensado mil vezes, ensaiado mil
vezes.
Pensado e ensaiado.
Ontem mesmo, depois de ter repetido consigo a fala, parou
diante da porta, juntou os fiapos de coragem para bater, aprumou-se, respirou
fundo… e não bateu.
Antes que alguém perguntasse o que fazia ali, voltou para a
mesa sem graça na sala sem graça onde um relatório sem graça para as cinco,
urgente o esperava.
Mas hoje não, hoje decidiu que iria até o fim. Respirou fundo
e, usando como combustível a indignação que sentia consigo mesmo por ser assim
tão covarde, bateu. Sempre assim: “para as cinco, urgente!”, “para daqui cinco
minutos, urgente!”, “para ontem, urgente!”. Tudo era urgente.
Mas desde uns dias atrás que ele sentia que viver era ainda
mais urgente, viver era urgentíssimo.
Empurrou a porta, pediu licença, entrou e fechou-a atrás de
si. A maçaneta não mordia, afinal.
Sentou-se.
As mãos suavam, mas ele soube disfarçar bem. A voz saiu
firme, muito melhor do que esperava. O sujeito do lado de lá da mesa largou o
mouse, deixou um pouco de lado a tela de e-mails. Estava se saindo bem, afinal.
Então ele pediu demissão.
Sentado na sua cadeira de diretor, a única confortável da
empresa, o chefe não entendeu, perguntou se era insatisfação com salário,
ofereceu um pouco mais, vergonhosamente pouco mais.
Mas ele não estava aberto a negociações, estava firme no que
havia decido, o chefe não pôde fazer nada a não ser concordar. A tela piscava
novos e-mails caíam na caixa de entrada.
Era já perto do dia trinta e eles agilizaram tudo para o dia
primeiro. Começaria o mês desempregado.
Voltou para a sala, onde não disse nada. Não tardou muito,
alguém voltou da chefia e espalhou a notícia da demissão. Ninguém entendeu o
porquê ”é salário?”, mas ele nem esperava mesmo que entendessem.
Era funcionário antigo da casa, era funcionário exemplar.
Abriu suas planilhas, terminou um relatório urgente para as cinco e meia.
Voltou para casa já levando algumas coisas das gavetas, para adiantar.
Dia trinta, despediu-se. Lavou a caneca pela última vez,
decidiu deixá-la na copa para quem quisesse o resto das coisas e pastilhas para
garganta, uns cartões, o carregador do celular coube numa sacola de mercado.
Sem alarde, sem choradeira, sem fotografias, sem almoço
especial. Na cadeira de diretor, o chefe entrevistava um candidato. Já no dia
seguinte, começou a procurar. Passou as semanas seguintes olhando
classificados, fazendo contas.
Não tinha pressa e só fechou negócio quando achou exatamente
o que sonhava. Daí para mudar-se para o sítio foi só questão de tempo.
E foi viver.
Está difícil segurar a ansiedade, as verduras demoram a
crescer e nem sinal ainda dos morangos.
Mas logo ele colhe a primeira safra.
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