Eu queria ser poeta. Mais sou apenas um contador de historias.
É muito mais do que mistério. É a impossibilidade acontecendo
bem diante de olhos incrédulos e bestificados.
O inimaginável, a maldição sem explicação.
É como o vento que ninguém vê, mas sabemos que está ali.
Não é questão de crença ou credo. É questão de estar
simplesmente ali, vivo, injustificável, mas real.
Estamos respirando algo, mas não vemos o que. Confiamos que
aquilo é bom, mas não sabemos porque. Nos mantêm vivos, sem ter pra que.
Acreditamos naquelas migalhas de verdade, naquilo que
chamamos de ‘’ É porque é, e cale a boca.’’
Eu não consigo e nem posso não acreditar. Mas eu gostaria. Eu
gostaria de dizer que isso tudo não passa de ilusão, um truque de mágica
barato. Mas o ilusionista morre e a charada atravessa gerações.
Onde está o segredo, o coelho entrando na cartola previamente
furada, o homem na platéia escolhido aleatoriamente que já sabia e decorou tudo
o que precisava fazer?
Eu queria que alguém arrancasse o meu coração doente de seu
refúgio e dissesse que toda essa dor é uma mentira como o bicho-papão.
Há tempos eu consigo dormir no escuro, mas por poucos anos eu
sempre olhava o que estava debaixo da cama. A mentira era real, o medo estava
dormindo comigo.
O que se passa, então, poderia ser uma segunda infância.
Uma mentira que se repete.
Uma mentira bonita que atravessou décadas, milênios e parou
em mim, crescido, forte o bastante para não temer aquilo que só existe numa
imaginação fértil e fétida.
Eu queria ser maior que tudo isso. Comprovar cientificamente
que o que bate em meu peito me mantém vivo e só.
Como o ar, que eu também não vejo, mas sinto. E não consigo.
Não consigo balbuciar uma só palavra sem que o peso da realidade me ponha
encolhido debaixo do cobertor, temendo um monstro vazio, algo irreal que dói e
latina, que arranca e apodrece todas as raízes dentro de mim que mantive em
cativeiro, em segredo.
Como algo pode continuar doendo, se não existe?
Ou melhor, se nunca existiu.
Nada pode criar vida sem que algo ou alguém o tenha criado.
Ninguém nunca me disse que o bicho papão teve mãe. Ninguém nunca me disse que
Papai Noel já foi um feto. Parece que a mentira já veio de barba feita.
É assim que eu sinto.
As colunas invisíveis são ainda piores e mais maciças do que
qualquer espécie de concreto, porque elas nunca são derrubadas.
Esse sofrimento todo é como as larvas que surgem dentro de um
pote de macarrão fechado, como fungos que povoam os pães trancados,
completamente trancados, dentro da geladeira.
Por que dói?
Eu só sei que dói.
Até que se prove o contrário, que se veja o ar, que a máscara
caia, o que me mantém vivo, continuará doendo como a tristeza que me dói.
E talvez seja isso mesmo e eu só não queira admitir. Se eu
parar de mentir, se eu disser que não está tudo bem, eu morro.
Como morreria se parasse de respirar.
Respirar aquilo que eu não vejo, não ouço, mas sinto.
O coração dolorido e machucado é a resposta que eu não quero
ver.
Eu só estou vivo porque a tristeza me permite viver.
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