Hoje em dia está meio na moda dizer coisas tipo: “Nossa como eu
odeio dormir”. Imagino que isso venha de uma onda meio falsa de pessoas um
pouco excêntricas e supostamente bem sucedidas que pregam o funcionamento do
sistema trabalhista, e que gostam de dizer mais coisas vãs e impensadas como:
“Eu irei dormir só quando eu morrer”.
Imbecis.
Com o perdão do baixo calão, que nem é muito do meu feitio,
aliás. Mas é que essa conversa me dá um sono danado. E eu sei que minha mãe
deve estar lendo isso com um sorrisinho na boca e um vagabundo escapando pelos
seus dentes meio cerrados de raiva. Eu não sou vagabundo, mãe. Eu sou
sonolento.
Se isso é vagabundagem, então eu quero que me mostrem onde é
que está essa definição no dicionário. E é por isso que eu me entupo de Coca-Cola,
com ou sem rato.
Para destruir essa minha natureza hipnótica. Porque eu sei
muito bem dos infinitos benefícios que o sono pode fazer à mente humana. O
mundo inteiro sabe, mas nos esquecemos. Queremos esquecer. Porque não há mais
tempo para dorminhocos. Ninguém gosta de um napeiro.
Mesmo assim, colocando mais ainda em risco a minha já extinta
vida social, continuo a manter um mínimo diário de horas de sono, que eu não
revelo aqui com medo do bullying mesmo.
Porque são muitas horas.
E horas furiosas.
Seria uma afronta à maioria das pessoas. Por muitas horas
enfio-me com fúria de pelejador nos travesseiros e, longe de estar à procura de
um simples relaxamento muscular ou de uma espécie de desligamento do cérebro,
entro em batalhas oníricas e transes oníricos que me colocam em estados
paralelos da consciência.
Eu começo a sonhar dentro de outros sonhos. E consigo ir
nessa levada de sonho por cima de sonho até o infinito que, lá dentro dos
sonhos, nem é tão infinito assim.
Ele fica meio pequeno. Desse jeito eu vou indo nos sonhos,
meio no susto mesmo. E costumo, com muita frequência até, acordar no meio
desses sonhos fundidos. Conscientemente. Eu acordo, olho pra mim, que é um eu
que acha que está sonhando, e digo “Ei você, por acaso, acha que está
dormindo?”, então eu acordo num outro sonho que me diz, através de paredes
fantasmagóricas: ”Volta pra lá, porque aqui é um nada”. Então eu fico sem saber
se prefiro o nada ou o sonho alucinógeno que eu já sei que vai acabar em merda.
E eu sempre prefiro o nada, que é simplesmente aquele estágio de escuridão antes
do acordar, sem sonhos, sem vigílias pela metade, sem nada, apenas sono puro, o
mais próximo que se chega da morte antes, claro, de morrermos.
É um sono vara curta, só pra gente sentir um gostinho de como
será a morte-onça, para nos questionarmos, num breve momento de lucidez no meio
da escuridão do nada onírico, para nos questionarmos, molhados de medo: “E
agora, uma eternidade só disso, e agora?”, e então cutucar a morte-onça com a
vara curta desse seu sono débil e simplesmente acordar.
Aí, no meio do turbilhão, você decide que quer ficar.
Então liga a televisão. Manter-se na vigília, sem
necessidade, não entendo tamanha brutalidade. Essa coisa de sermos racionais,
não sei, não está me parecendo um bom negócio. Pois bem, eu não posso ficar sem
dormir.
Eu tenho um problema e ele se chama, eu acho que vou morrer
se não dormir direito.
E por “direito” cada um entenda aí a extensão de horas que
lhe for mais conveniente.
Eu tenho a minha. E quando eu não a respeito, o dia fica
turvo e enjoado.
Então não tem como. Eu não sou do time que acredita naquela
balela que diz que perdemos um terço da vida quando dormimos. Não, eu acho que
a gente só ganha com o dormir.
Pois o sono é, no mínimo, um bom treino para a morte. Que é a
nossa única certeza na vida. Eu sei que ninguém gosta de lembrar disso, ainda
mais antes de dormir, mas assim que é. Então por que perdemos tempo com
qualquer outra atividade?
Não deveríamos nos concentrar apenas na única coisa que
sabemos e temos certeza de que acontecerá em nossas vidas?
Então por que simplesmente não nos deliciamos com este
pequeno e suave treino diário para a morte que é o nosso santo sono de cada
dia-noite?
Uma pequena morte como já disseram por aí, um pouco de cada
vez, toda noite, todo dia, cada um do seu jeito, mas que se durma, cada vez
mais, cada vez mais profundo e furiosamente.
Dormir com fúria.
Droga, isso aqui ficou com cara de manifesto hipnótico e era
apenas para ser um delírio com uns floreios poéticos.
Essas coisas.
Agora já foi.
Vou dormir. Boa noite.
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