Eu queria ser poeta. Mais sou apenas um contador de historias.
Em
meados dos anos 50, em uma cidadezinha pequena, em algum lugar do Brasil, onde
os detalhes não importavam e as pequenas coisas prevalecem sempre.
Encontrava-se Antônio, mais um trabalhador árduo, desde jovem sempre trabalhou
na roça, em condições humildes.
Ele
nunca se importou com as coisas de maior valor, assim como muitos que vem de
cidade pequena. A família nunca se importou com ele.
Não
sabia ao certo o que significava família, nem de longe.
E
Judith, uma jovem da cidade, que assim como Antônio, trabalhava desde cedo. E
que vivia por conta própria.
Todos
nós estamos cansados de ouvir essas histórias de nossos pais ou avós. De como
antigamente trabalhavam desde pequenos e tinham que ter independência.
Não
era diferente com eles.
E
inevitavelmente, eles se conheceram.
Antônio
encontrou a parte que lhe faltava em Judith. E Judith encontrou a paz que lhe
faltava em Antônio.
Essas
coisas de sempre. Vem à amizade, a paixão e o amor. Ambos não sabiam o que era
ter alguém ao seu lado, não sabiam o que era ter alguém para contar, para
conversar, para cuidar. E foi exatamente por isso que eles se deram tão bem.
Trabalhavam
cada vez mais, e também se apaixonavam cada vez mais.
Antônio
fazia questão de todos os dias, levar uma rosa que roubava de um dos vizinhos
da região para ela. Era algo errado, pelos motivos certos.
Em
certo dia, ele comprou um radio, e eles passavam as noites ouvindo musicas do
Elvis Presley, cantando e dançando.
Judith
nunca se importou que ele não soubesse dançar. E Antônio nunca se importou que
ela não soubesse cantar. Mas eram as noites mais felizes e bonitas de ambos. Em
uma dessas noites, Antônio havia esperado Judith, como fazia todos os dias, e
lhe disse que tinha uma surpresa.
Levou
até um dos lagos da cidade, entregou a rosa do dia, mas com uma diferença, um
bilhetinho pequeno, escrito com a sua letra, um garrancho, melhor dizendo. E
nele estava escrito “ Sei que não sou um cara charmoso, rico ou maravilhoso,
mas deixa eu te mostrar que posso te fazer feliz? Eu não vou precisar de nada
disso para fazer isso. Foge comigo e vamos construir a nossa família? Deixa eu
te cuidar? Se você quiser, se meu amor bastar.”
Judith,
sem palavras, olha fixamente para frente, quando vê Antônio dizer.
-
Aceita casar comigo?
Ela,
quase que imediatamente, responde.
-
Eu aceito.
Algumas
semanas depois, estavam os dois, juntando suas malas, e o pouco de dinheiro que
tinham, foram embora para a cidade grande.
Eles
mal sabiam por onde começar. Foram para a igreja, e mesmo que sem familiares,
trataram de logo casar.
Assim
que o padre terminou a pequena cerimônia, ele chegou à parte.
-
Judith, você aceita Antônio em casamento, prometendo amá-lo, respeitá-lo e ser
fiel, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias de sua vida,
até que a morte os separe?
-
Eu aceito.
Repetiu
o processo com Antônio, terminando com ele respondendo.
-
Eu aceito.
E
o padre terminou dizendo.
-
Eu vos declaro, marido e mulher, pode beijar a noiva.
Antônio
beija Judith intensamente, ela olha para ele e diz.
-
Até que a morte nos separe Antônio. Eu te amo.
E
Antônio, sem pensar duas vezes, diz.
-
Até que a morte nos separe Judith. Eu também te amo.
Aos
poucos, eles foram se acertando, passaram por grandes dificuldades, é verdade.
Mas o amor forte e intenso que sentiam um pelo o outro, parecia superar
qualquer barreira e dificuldade que fosse. Logo Antônio conseguiu um bom
emprego, trabalhando em uma fábrica famosa de carros, e em pouco tempo, já estava
comprando um terreno e construindo a casa que tanto sonhara ter com Judith.
Assim
que terminaram a construção da casa, vinha o primeiro bebê. Eles nunca tinham
ficado tão felizes.
Ele
cuidava melhor do que nunca de Judith e do bebê, comprava tudo que ela tivesse
vontade, e se dedicava cada vez mais no trabalho. Com o nascimento e a alegria
que o bebê trouxe, eles olharam para si mesmos, e descobriram, finalmente, o
que era realmente uma família.
Um
encontrou no outro a resposta para o que ambos haviam buscado. Família era ter
os seus sonhos, medos, desesperos e dificuldades compartilhados e acima de
tudo, ter um ao outro. Mesmo que tudo lhes faltassem, o importante eram eles se
completarem.
Dois
anos depois, o segundo filho chegou. E dois anos mais tarde, o terceiro.
Eles
eram uma família humilde, porém de um caráter admirável. Criaram os filhos de
uma forma justa e correta. Embora tivessem passado por coisas difíceis, os
filhos cresciam felizes e sempre sorrindo.
Cada
filho foi crescendo, se tornando homem ou mulher, e aos poucos, foram atrás de
fazer o próprio futuro.
Antônio
e Judith haviam criados filhos maravilhosos e se orgulhavam todos os dias por
isso. Eles também, de certa forma, criaram os netos que viriam a seguir.
Porque
muitos passavam mais tempo na casa dos avós do que em suas próprias casas. O
que era natural, vendo que os dois tinham jeito para isso.
Antônio
sempre soube que Judith era o amor de sua vida e era algo encantador de se ver.
Mas assim como o tempo passa, a velhice chega.
E
é claro, com ela vêm os problemas de saúde. Judith sentiu isso na pele. Vítima
de um AVC, mais conhecido como derrame, que normalmente, deixa sequelas em quem
as têm.
E
não foi diferente com Judith, que havia perdido os movimentos do braço direito
e da perna direita. Ela, que sempre ousou de cuidar de sua casa sozinha, lavar
as roupas, fazer comida, uma mulher incrivelmente independente. Agora, se via
tendo que depender de outras pessoas para arrumar a casa, cozinhar e lavar
roupa. Até para andar precisava de ajuda.
Antônio
sofreu junto com ela, cada dificuldade e problema que ela passava. Ele chorou
junto, cada lágrima que ela derramava. Ele esteve com ela todo o tempo.
Levando-a
para a fisioterapia, todas as tardes, mesmo que estivesse cansado para muitas
coisas, ele sempre estava disposto para ela no momento em que necessitasse.
E
aos poucos, ela foi melhorando, e quem pensa que ela desistiu de cuidar de seus
afazeres?
Pouco
a pouco, ela foi voltando às rotinas de sua casa, da sua maneira, mas ela
limpava, cozinhava e lavava. Usando apenas um dos braços e uma das pernas.
Com
alguma ajuda de vez em quando e para algumas coisas. Ela era um exemplo. Que
mesmo depois de passar por tempos difíceis, ainda assim, lutava para não perder
a capacidade de ser independente, para não se sentir inútil.
E
com certeza, isso ela não era, nunca foi. E assim foram nos últimos dez anos.
Antônio
levava Judith para a fisioterapia, para o médico ou simplesmente media sua
pressão. Ele estava lá. Pronto para socorrer a qualquer momento. E nunca
deixaram de estar juntos, nunca deixaram de se amar e se respeitar. Até que um
certo dia ela foi hospitalizada, mais uma vez, com um segundo derrame.
E
o estado dela foi se tornando cada vez mais grave. Antônio tornou a levar uma
rosa para Judith todos os dias em que passara no hospital, assim como fazia
quando roubava uma rosa do vizinho, mas dessa vez, ele apenas fazia algo certo
por motivos mais certos ainda.
Aos
poucos a situação de Judith foi piorando, e em uma das noites em que estava no
hospital com Antônio, ela disse que não aguentava mais, mas tinha medo de
deixar ele sozinho, porque ela sempre havia se preocupado mais com ele do que
consigo mesma. Antônio disse para que não se preocupasse, mas sim, que se fosse
chegado a hora dela, apenas vá em paz.
Ele
mesmo, não aguentava mais ver a esposa sofrer todos os dias. Ela olhou para
ele, apesar do olhar enrugado e mais velho, ainda assim, o mesmo olhar
apaixonado de quando se conheceram e disse.
-
Eu te amo Antônio, sempre amei e sempre vou amar.
Ele
segurou em suas mãos, beijou a sua testa e disse.
-
Eu te amo Judith, sempre amei e sempre vou amar. Para todo o sempre.
Minutos
depois ela sorriu, e adormeceu. No dia seguinte, chegava à notícia que Judith
havia falecido. Junto vinha o velório e o sepultamento.
E
enquanto Judith era enterrada, Antônio se aproximou do caixão e disse alto,
acreditando que de alguma forma, ela o escutaria.
-
Você foi a melhor companheira que eu poderia ter, durante mais de cinquenta
anos. Você foi tudo para mim e sempre vai ser. Uma parte de mim está indo
embora com você, a melhor parte. Nada do que eu tenha feito por ti, foi o bastante.
Eu te amo, Judith. Naquela mesma noite, Antônio estava em sua varanda, em meio
a um céu estrelado. Ele se lembrou da frase do dia de seu casamento. “ Até
que a morte nos separe.”
E
ela havia separado. Pelo menos durante a vida, pelo menos por algum tempo. Mas
a mesma morte que um dia os separou, seria quem um dia os faria se reencontrar.
O
amor momentâneo viverá por certo tempo, mas o amor verdadeiro viverá para
sempre.
Ele
tinha certeza que ainda não era o fim.
E
quase sem pensar, olhou para o céu, com os olhos cheios de lágrimas, e disse.
-
Até que a morte nos reencontre, meu amor.
Dedico para você meu amor esta historia.
Eu te amo e te amare ate que a morte me leve.
WCR & MERN