A vez em que cheguei em casa, empolgado com um mundo novo que
se abria diante dos meus olhos de menino, e tirei da minha mochila a cartilha
ainda cheirando a nova e abri na primeira lição e li para minha mãe, encantada,
as primeiras palavras da minha vida, que tinha acabado de aprender naquela
tarde de verão.
A vez quando, entre os raios de sol que pendiam dos galhos de
uma arvore, eu vi uma arara amarela e azul e me senti abençoado e quando
duvidaram de que eu tinha visto em plena cidade algo tão raro a ponto de se
tornar só uma história que se ensina na escola tive a segurança de responder
simplesmente. “ - Eu senti que era”.
A vez em que primeiro subi na minha moto e fui para a estrada
e senti a fragilidade da minha vida e a liberdade de não estar somente passando
pela paisagem, mas fazendo parte dela, sendo filho do vento, gritando de
excitação dentro do capacete debaixo da chuva leve que caía.
A vez quando, numa quinta-feira sem nada de especial, andando
pela rua num final de dia eu me senti subitamente feliz de uma felicidade
tranquila e serena, subitamente consciente, e sorri, sem uma testemunha sequer,
o sorriso mais satisfeito que lembro de ter dado em minha vida e que desde
então, ainda esse mesmo sorriso, volta ao meu rosto em certas ocasiões, foi
nesta mesma quinta-feira que eu te vi pela primeira vez, se não me engano
quatro de Junho de dois mil de nova.
A vez na qual, depois de ter resistido a uma tentativa de
assassinato numa viagem solitária, corri meio continente de volta para casa e
encontrei minha mãe ainda de pijama, com um bule de café fumegante no fogão e,
sentado à mesa, no silêncio de quem não sabe ou não quer dizer nada, senti como
nunca a força delicada do amor de quem nos cria para entregar ao mundo.
A primeira vez em que eu sonhei que entrava amedrontado e
ansioso, diante dos meus amigos e da minha família, olhava para as portas da
igreja que se tinham acabado de abrir e você caminhou em minha direção e eu
soube que não desejaria da vida, daquele momento em diante, nada mais que não
seja me dedicar a você até o último suspiro que Deus me permitir dar neste
mundo, pena que foi apenas um sonho, mas sorte que foi apenas o primeiro.
A vez em que, mesmo depois de já ter ouvido várias vezes, eu
realmente ouvi a Nona Sinfonia de Beethoven e senti o corpo arrepiado e chorei
e agradeci em silêncio Àquele que deu ao homem a capacidade e a sensibilidade
para criar coisas tão maravilhosas.
A vez que numa manhã nublada e um pouco fria em que eu e meu
pai caminhando a beira da praia no ultimo dia de ferias encontramos um casco de
um certo molusco não sei ao certo entre os galhos que o mar arrastou para a
praia numa noite de tempestade e pensei em quanto não havia vivido aquele
animal, em que segredos submarinos não guardava aquele casco silencioso, até
que viera morrer nas areias daquela praia.
A vez, depois de meses longe da escrita, anestesiado por
falta de tempo, de inspiração ou mesmo de vontade, em que resolvi checar, num
gesto meio mecânico, uma das minhas contas da internet e chorei ao encontrar
uma mensagem de uma pessoa, uma mãe de família que me leu e lembrou-se de um
sonho e começou ela também a escrever.
São essas vezes, essas pequenas ocasiões luminosas, muito
mais que os grandes intervalos entre elas, que nos fazem quem somos.
São essas vezes, e ainda muitas outras de que não me lembro
agora e umas tantas sobre as quais, de tão sublimes e fugidias, não conseguirei
jamais escrever.
São essas vezes.
2 comentários:
bom texto... começa manso, e vai se tornando intenso!
Parabéns...gostei dos seus textos e de suas escolhas musicais...
Seguindo aqui.
Abraço!!!
http://alternativassonoras.blogspot.com.br/2013/01/desabafo-musical.html#comment-form
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