Eu sou o caderno velho com páginas brancas. Sou as fotos
velhas, de sonhos finalizados, guardadas no fundo da gaveta.
Sou os rascunhos no fundo da lixeira. Sou a risada que voa ao
vento.
Eu sou o “Eu te amo” incompleto. Aquele SMS abreviado.
Sou a carta, escrita, sem motivo descrito. As palavras que o
tempo sufocou no ar.
A brecha na lei. Sou o pássaro sem asas que caiu ao abismo.
Sou todo o resto morto ou vivo que sobrou de mim. Aquele que vivia em mim que o
tempo deteriorou.
Morreu, putrefou-se, se decompôs.
Foi-se, por motivo natural, surreal, destino, acaso, mágoa,
receio, abstinência, alegria, fuga.
Só sei que foi.
E o que sobrou. A secura. O vazio mais seco que as folhas de
papiro.
O que sobraram foram as histórias impregnadas na secura.
Histórias de noites e dias. Sóis e luas. Estrelas e nuvens.
O silêncio ecoa em mim, como aplausos falsos. O barulho mais
alto é o sangue fluido. Mas nem no mesmo há energia. Já em minha mente, a única
coisa que ocupa meu cérebro é o simples aprendizado que restou dos livros que
eu engolia tão desesperadamente em busca de conforto.
Mas isso já mudou.
Os livros já não podem salientar o que eu tentava esconder.
Olhar para o céu estrelado já não ilumina meus olhos.
Escrever já não desabafa.
Dormir já não evita visões que eu busco tão desesperadamente
para parar de ver.
Já não faz três semanas desde o inicio do ano, e já perdi
totais esperanças de realizar qualquer expectativa ou desejos para fazer esse
ano valer a pena.
Coração cravejado pelo vento.
O vento carrega sons. Uivos, sussurros, ar.
Carrega notas musicais, musicas pensantes.
O vento que sopra dentro de mim, desde meus ouvidos ao meu
corpo, são magníficos. Ventos que me fazem pensar. Cássia Eller, Renato Russo,
Engenheiros do Hawaii, Marisa Monte, Caetano Veloso, Cazuza, Titãs e Los
Hermanos. Os mesmos me confortam com palavras indiretas.
Meu peito compartilha um pequeno espaço entre músicas e
palavras. Palavras cantadas ou lidas.
Mesmo o vazio ocupando o inteiro, são as Palavras ditas,
lidas ou cantadas que alimentam esse vazio.
Quando o vazio começou a crescer mergulhei num drama melancólico
que eu exalava constantemente. Melancolia narrada por Caio Fernando de Abreu,
Gabito Nunes, Vinicius de Moraes, Paulo Coelho, Clarisse Lispector, Tati
Bernardi, Carlos Drummond de Andrade.
As pessoas leem ou ouvem músicas por puro prazer. Ou pelo simples
fato de se encontrarem em algo narrado ou que possa ser ouvido.
Eu sempre fui de apreciar o interior das pessoas. Colocando
em prática aquela famosa frase de nunca julgar o livro pela capa.
Evitando olhar diretamente o corpo que recobre os órgãos, e tentando
olhar mais profundamente para o interior das pessoas.
Mas isso não pode mais ser usado. Sempre tive como regra,
para mim, só qualificar coisas que sou, o melhor.
O problema é que agora não sou nada.
Sou a qualidade literária brasileira esquecida com o tempo.
Sou todo o resto que sobrou das frases.
Queria poder sofrer o efeito da chuva. Pois a chuva lava o
corpo e umedece o ar. Mas a alma não sofre o efeito dessa deliciosa água
gelada.
A alma tremula pelo ar gélido sufoca meu peito. Sinto-me como
uma pedra com musgos.
Sinto como se andasse pelas pedras úmidas do caminho.
Pergunto-me de onde nasci. Da consciência ranzinza? Ou do
subconsciente estúpido? Nasceu a morte velha.
E sobrou a morte nova.
Sobrou. Sobrou?
Sobrou ou só se manteve o que tinha?
O pouco.
O cheio vazio. O vazio que engoliu minha paz e venceu minha
guerra.
Mesmo ele nunca tendo feito parte dela.
O vazio da caneca de café. O vazio com rastros de sangue
branco.
O escorrer das páginas.
0 comentários:
Postar um comentário